Saúde em crise, colapso no transporte público e dificuldade política: especialistas avaliam gestão Dr. Pessoa em Teresina

Finaliza nesta terça, 31 de dezembro de 2024, uma parte da história de Teresina caracterizada pela gestão do prefeito Dr. Pessoa. Depois de ascender ao poder da maior cidade do Piauí e uma das 20 maiores do Brasil em uma eleição histórica – ele impôs a primeira derrota ao PSDB em 30 anos de gestão na capital – o prefeito que se despede do Palácio da Cidade teve uma gestão marcada por crises múltiplas que atingiram a organização interna e os serviços públicos – e tiveram por consequência sua derrota eleitoral com apenas 2,2% dos votos na última eleição, o pior desempenho de um prefeito de capital na história do Brasil.

Cidadeverde.com entrevistou o cientista político Vitor Sandes e o historiador Fonseca Neto, ambos da Universidade Federal do Piauí (UFPI) para falar sobre os aspectos políticos e historiográficos que marcam o período da história da capital do Piauí entre 1º de janeiro de 2021 e 31 de dezembro de 2024. A principal marca da gestão foi a dificuldade de gerir a cidade de modo que os serviços básicos mantivessem seu funcionamento.

Foto: UFPI

Para o cientista político Vitor Sandes, o grupo que assumiu a prefeitura teve dificuldades em lidar com os desafios políticos e de gestão

O cientista político Vitor Sandes aponta que a gestão de Dr. Pessoa marcou, pela primeira vez, uma grande mudança no que se refere a quem compõe a administração municipal. Nos 30 anos anteriores, os ex-prefeitos do PSDB Wall Ferraz, Francisco Gerardo, Firmino Filho e o próprio Sílvio Mendes – que retornará ao comando da prefeitura – mantiveram o mesmo grupo político, com um perfil mais tecnocrata, nos cargos da administração. De acordo com ele, diante de grandes desafios, como a pandemia e a crise no transporte público, o grupo político que estava assumindo encontrou dificuldades.

“Há um perfil diferente de gestão. Houve uma forte continuidade das equipes durante as gestões do PSDB, desde Wall Ferraz, passando por Francisco Gerardo, Firmino Filho, por Sílvio Mendes e, novamente, pelo Firmino. Com uma mudança de grupo político com o resultado das eleições de 2020, houve uma mudança significativa nas Secretarias e demais órgãos. Isso demarca mudanças em opções para a gestão da cidade, bem como no desenho das políticas. No entanto, os desafios foram enormes. A gestão se iniciou em 2021, em meio uma pandemia. Foram muitos os desafios naquele momento para uma gestão de um novo grupo político. Logo no início, veio uma crise nos transportes públicos que não foi resolvida a contento, além dos problemas posteriores na área da saúde. As escolhas políticas e gestão não geraram resultados bem avaliados para a população”, disse.

“Sensação de parada desorganizada da cidade”

O historiador e professor Fonseca Neto avalia que os moradores de Teresina dispunham de uma visão de que a cidade vivenciava um processo de “desenvolvimento” ou “modernização” há pelo menos 60 anos com o desenvolvimento de infraestrutura urbana ou chegada de empresas e serviços. No entanto, segundo o pesquisador, o início da gestão de Dr. Pessoa trouxe uma cisão nessa percepção.

“A cidade tem uma visão de si de que só cresceu. Em alguns aspectos cresceu mais, em outros cresceu menos. Nos últimos 50, 60 anos, a gente percebe que Teresina passou por alguns processos de relativa aceleração na sua urbanização. E algo se configurou sobretudo nos últimos 20 ou 30 anos que é a sensação de que é uma cidade que, com todas as dificuldades de um estado com índices de subdesenvolvimento acentuados, sempre se percebeu que Teresina é uma cidade que cresce, que aparece princípios fortes de uma urbanidade que melhora, então essa percepção foi sentida até a inauguração do atual governo. A sensação, observando esse momento de mudança, de transição lendo o contexto de modo geral (…) a gente percebe uma sensação de parada desorganizada da cidade. Há uma sensação de que Teresina piorou em vários aspectos, uma ideia de que algum modo progride, se moderniza como se diz tradicionalmente”, apontou.

Foto: Roberto Araujo / Cidadeverde.com

O historiador Fonseca Neto cita que a administração representou uma “parada” na sensação de desenvolvimento que os moradores tinham de Teresina

“Cataclismo” no transporte público

Ainda conforme o historiador, uma característica de Teresina desde a fundação enquanto Vila do Poty, no século XIX, foi uma preocupação com a mobilidade da cidade – inicialmente, com o transporte por animais, carruagens, entre outros, até a chegada dos trens e automóveis. A gestão foi marcada por uma grande crise no transporte público, com sucessivas trocas de acusações com empresários relativas ao pagamento de subsídios e permeadas por greves com os trabalhadores, ocasionando problemas na prestação dos serviços.

Fonseca Neto cita que com a atual gestão foi protagonizado algo inédito com as crises que dificultaram o transporte público na capital.

“Desde o dia em que a cidade existiu, as suas primeiras leis de organização interna, o código de postura, já tratavam de mobilidade urbana nos jumentos, nas liteiras, depois vieram as carruagens, depois os carros de boi, depois dos automóveis, depois o trem, etc. Então ela nunca esteve tão a beira de uma inviabilização, de um cataclismo, de crise que não para, de serviço que não funciona a contento, isso para falar em um indicador que atinge a todos. Por que quem foi que disse que um sistema de transporte de massas numa cidade que demograficamente se expande o tempo todo, quem disse que esse sistema não é prioridade nº 1 para as pessoas? Para exercer as funções próprias da cidade? Por isso nós existimos aglomeradamente, quase 1 milhão de pessoas. A gente se locomove e não existe coisa mais típica do exercício da gestão público do que manter as ruas funcionando com o mínimo de regularidade”, pontuou.

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Dificuldade na relação política

Os desafios do prefeito Dr. Pessoa também passaram pela crise com a Câmara Municipal de Teresina. Por lá, enfrentou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a crise do transporte público, além de uma Comissão Especial que apurou as supostas irregularidades na Saúde da capital. Além disso, vários temas como limpeza urbana, contas públicas, greves na educação, dentre outras, pautaram debates calorosos no legislativo municipal.

O cientista político Vitor Sandes considera que o enfrentamento que teve por parte dos vereadores dificultaram a situação política do prefeito, mas que caberia a ele enquanto gestor garantir as condições de governabilidade de modo que isso não interferisse no andamento da gestão.

“Esses fatos falam mais sobre a dificuldade do prefeito de montar uma coalizão sólida, garantindo uma base de apoio ampla na Câmara, do que, necessariamente, um momento unidirecional da Câmara demarcando uma posição contrária. Em outras palavras, cabe ao prefeito garantir as condições da governabilidade. É preciso ressaltar, no entanto, que o custo de participar de um governo mal avaliado é alto. Por isso, a dificuldade foi ainda maior”, citou.

Foto: Renato Andrade / Cidadeverde.com

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O prefeito Dr. Pessoa chegou a ser alvo de pedidos de processo de impeachment – que foram protocolados, mas que não foram abertos pela Câmara Municipal. De acordo com o cientista político, mesmo diante de uma gestão mal avaliada, os vereadores consideraram que o “custo político” seria elevado para os parlamentares.

“Um processo de impeachment é bastante desgastante do ponto de vista político e institucional. É a última alternativa política dos partidos e do Legislativo. A avaliação é que o impeachment não era interessante para a Câmara do ponto de vista político. Aguardaram o desfecho da gestão. O impeachment é um processo eminentemente político. E a decisão política é que o custo era elevado”, pontuou.

Dr. Pessoa se despede da prefeitura de Teresina, após mandatos como vereador e deputado estadual, com uma imagem pública muito associada a memes na internet. Vídeos que mostram o prefeito dançando ou em situações pitorescas são compartilhados nas redes sociais. Uma dos argumentos, inclusive, utilizados pelo próprio prefeito sobre a sua baixa popularidade está na Comunicação. O cientista político Vitor Sandes considera que a comunicação é crucial, mas que não é o suficiente.

“A comunicação é crucial, mas ela sozinha, não adianta. É preciso que as pessoas tenham a sensação da efetiva prestação de serviços públicos à cidade”, citou.

A partir desta quarta, 1º de janeiro, Silvio Mendes toma posse como prefeito de Teresina e retorna para o terceiro mandato no Palácio da Cidade após 14 anos.

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