Estados aprovam distribuição de Cannabis medicinal pelo SUS em meio a indefinição federal

O Brasil está com uma enxurrada de projetos de lei estaduais para garantir produtos à base de Cannabis para uso medicinal pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Ao menos 24 unidades da federação ou já aprovaram uma regra sobre o tema ou estão debatendo o assunto no Legislativo.

A pesquisa realizada pela Folha abrange todas as Assembleias dos estados brasileiros, além da Câmara do Distrito Federal. Após ser aprovado e sancionado, o governo do estado precisa garantir o fornecimento do medicamento.

Foram aprovadas leis em Acre, Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, São Paulo e Tocantins. Isso não quer dizer, entretanto, que todas já estão em vigor.

Entre os estados brasileiros, apenas em Pernambuco, Ceará e Paraíba não foram encontrados projetos de lei relacionados ao tema. Não foram contabilizadas propostas aprovadas em Câmaras Municipais.

Esse movimento acontece em um contexto em que esses produtos ainda não foram incorporados em âmbito nacional pelo SUS ?há dois caminhos para que isso aconteça.
A primeira é por meio do Congresso Nacional, que pode aprovar legislação específica para a incorporação da Cannabis medicinal no SUS. Uma outra é pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), vinculada ao Ministério da Saúde.

Segundo Bruna Rocha, presidente-executiva da BRCann (que representa empresas do setor), é importante assegurar que o paciente tenha acesso ao produto. No entanto, a forma como isso está sendo feito atualmente pode gerar uma situação caótico, com regras diferentes em cada estado.

“Cada projeto tem a sua especificidade, interpreta as lacunas de forma distinta e mais conveniente. Não existe uma padronização das patologias que serão atendidas no SUS, não existe clareza sobre o processo que será seguido para a aquisição dos produtos fornecidos via SUS”, disse Rocha.

O governo de São Paulo definiu a regulamentação dos produtos à base de CBD (canabidiol) que serão fornecidos pelo SUS. Neste primeiro momento, vão poder receber pessoas portadoras da Síndrome de Dravet, da Síndrome de Lennox-Gastaut e da esclerose tuberosa. As três síndromes contempladas são raras e caracterizadas por crises epilépticas generalizadas.

Em janeiro, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sancionou a lei que prevê a distribuição no SUS. Já no Distrito Federal, segundo a Secretaria de Saúde, existe o fornecimento do óleo de canabidiol para pacientes diagnosticados com epilepsia.

No Acre, o governador Gladson Cameli (PP) sancionou a lei referente à Cannabis medicinal no último dia 14 de julho. O estado agora analisa como será a regulação do tema, etapa na qual vão ser estabelecidos diretrizes e critérios que definirão quais produtos serão distribuídos e para qual público eles estarão disponíveis.

De acordo com a advogada Helena Matos, quando a lei estadual, cabe aos governos locais garantir os recursos orçamentários para viabilizar a distribuição e fornecimento dos medicamentos à base de Cannabis no SUS. Matos também destacou que os estados já sofrem impacto orçamentário devido à judicialização. Decisões são tomadas caso a caso por meio de ações, e a compra desses produtos acaba sendo mais cara para os cofres públicos.

A advogada afirma que o movimento dos estados em aprovar legislações relacionadas à Cannabis medicinal pode impulsionar o andamento de legislações nacionais sobre o tema. Ela defende a aprovação de um marco legal no Congresso .

“Em termos de segurança jurídica, previsibilidade orçamentária e maior proteção à dignidade e ao direito à saúde dos pacientes em vulnerabilidade, é salutar que o Congresso caminhe para um arcabouço normativo”, afirmou Matos.

No Congresso, já existem projetos em tramitação que buscam garantir o acesso a medicamentos à base de Cannabis para uso medicinal no SUS. Há também projetos que regulamentam o setor. Além disso, a Conitec deve tratar do assunto, segundo disse à Folha a ministra da Saúde, Nísia Trindade. É papel da comissão assessorar o Ministério da Saúde na avaliação e inclusão de novos medicamentose procedimentos no rol do SUS.

Para ela, se houver evidências científicas que corroborem a eficácia e segurança desses medicamentos, a recomendação será feita para a utilização naquilo que for adequado.
“É no âmbito desta comissão que nós vamos tratar porque uma decisão como essa não pode ser uma decisão político-administrativo, ela tem que ser uma decisão com base nessa avaliação científica. Se houver evidência científica e se houver uma visão que é uma política adequada para o SUS poderá ocorrer a incorporação, são os dois parâmetros”, disse.

“Porque às vezes pode ser uma terapia excelente mas inviável do ponto de vista econômico, então isso leva a outras discussões no caso da Cannabis, que são medicamentos caríssimos hoje. Se a gente disser que isso é bom que tenha no SUS, tem que ter uma política para isso”, acrescentou.

Para a presidente da BRCann, é mais fácil a aprovação acontecer via Congresso do que através da Conitec.

Atualmente, a Anvisa já autorizou a comercialização de 25 produtos à base de Cannabis em farmácias brasileiras. Entretanto, apenas um produto é registrado como medicamento, o Mevatyl. Ou seja, ele é o único que já passou pela avaliação da Conitec, que recomendou seu uso em auxílio a terapias de pacientes adultos com espasticidade moderada a grave devido à esclerose múltipla que não responderam adequadamente a tratamentos anteriores.

Entretanto, a Conitec não recomendou a sua incorporação no SUS na gestão passada. “Os estudos apresentaram médio a alto risco de viés, o que tornou a evidência de baixa qualidade”, diz trecho da recomendação.

Fonte: Folhapress

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